A borboleta e sua metamorfose nos trás a representação de uma drástica mudança sentida de forma branda e tranquila. Um animal que ao recolher-se passa por uma transformação tão surpreendente que muda seu estado terrestre para ganhar os céus. Já a história da águia, longe da sutileza da borboleta, fala de renovação pela via da dor e da coragem.
Não é uma metamorfose literal, mas tem um efeito quase equivalente, quem sabe uma metamorfose menos acessível ao campo visual e mais significativo ao “dentro”, uma metamorfose interior, subjetiva. Se trata daqueles momentos em que ou você se rasga ou você morre.
Segundo a fábula, a Águia chega em uma fase em que está com as penas pesadas demais lhe prejudicando o voo, o bico torcido demais impedindo que se alimente adequadamente e as unhas imensas prejudicando o equilíbrio. Da forma como a Águia se encontra sua vida esta em risco. Será uma questão de tempo e morrerá precocemente.
Após essa constatação, ela sobe, sozinha, nos mais altos penhascos de pedras pontiagudas e inicia um rito de arrepiar. Ela se arranha, se joga nas pedras, destrói o bico e as unhas, arranca as penas. E depois de passar por essa mutilação, ela aguarda que tudo nasça novamente e segue seu caminho. Esse processo dura 150 dias. É um ato de coragem, de renovação, de libertação dos excessos que lhe sentenciavam a morte.
Esse rito toca a todos nós, que já munidos das asas de uma borboleta, necessitamos tomar as decisões mais duras numa tentativa desenfreada de cura, de sobrevivência e passar a viver de forma mais plena.
A energia é sempre uma só. É onde vamos direcioná-la que teremos notícias se a mobilizamos para a morte ou para a vida. A dor, a mutilação, a agressividade podem ter mais ligação com a vida do que com a morte, embora elas só existam entrelaçadas uma na outra. Uma dança difícil de identificar quem conduz quem.
É importante atentar-se que esse ato é agressivo mas não auto-destrutivo, pois esse processo tem uma razão de construção. Um despertar para a vida até as últimas consequências. É nesse exato momento que a águia escolhe viver, como se lhe fosse dado uma segunda chance e ela aceita com toda sua coragem e persistência.
Todos possuem um pouco da borboleta e também uma águia dentro de si. Mudamos de corpo, mudamos de posição e por vezes estamos dispostos a dolorosas amputações para seguir nosso voo. O importante é não perder de vista o processo curativo envolvido nesse rito de sofrimento. Algumas decisões de vida exigem coragem pois são muito difíceis, caso contrário, não exigiriam coragem.
A metamorfose psíquica é construir asas a nossa posição frente a vida, é escolher viver, é pura responsabilização. A libertação acontece quando nossa águia entra em harmonia com nossa borboleta. Já li e reli o frase “Vai, e se der medo vai com medo mesmo”, hoje proponho uma inclusão, “Vai, e se doer é porque é ali mesmo”.
Pode não durar 150 dias, mas necessita ser transitório, chega o momento em que precisamos sair do casulo e depois necessitamos sair do penhasco. Em ambos os lugares, vale a pena lembrar, saímos alçando vôo.
Eduarda Renaux