Enquanto ouvia “Total Eclipse of the heart” da diva Bonnie Tyler, sentia o cheiro da infância no carro velho dos pais. Pedia para repetir a música a viagem toda, mesmo sem entender uma palavra de inglês. Não era romântica, tampouco dramática, mas a música era a trilha sonora perfeita para seus pensamentos. Quais eram? Provavelmente o quinquagésimo oitavo amor nos seus oito anos de idade. Mas não, não era romântica e tampouco dramática.

Furou a fila da puberdade e chegou na adolescência com antecedência, o azul do sol abruptamente se tornou o preto da noite, feito eclipse. A cor preta tinha sabor de infância perdida, disfarce dos enlutados.

Tem gente que conta primaveras, ela contava luas. Não poderia esperar todas as outras estações para florescer. Mas tinha fase que esperaria, tinha fase que não. Dependia da lua e da próxima menstruação.

Pegava a palavra, arrumava um amor, bagunçava a vida e seguia para a próxima poesia. Quando foi guardar o que viveu, cabia tudo no bolso. Quilômetros de vida desperdiçada, deduziu. Que fase!

Emprego novo, lua nova. Tagarelou silêncios, organizou a casa e seguiu para a próxima planilha. Foi guardar a vivência desse período e entulhou as gavetas. Só podia ser enfim um passo na vida, cautelosamente ponderou.

Passadas algumas estações, não tinha mais aroma, sabor, formato. Até tinha, mas a infância se tornou tempo e não mais aroma, o preto era cor e não tinha sabor, palavra não contagiava, não se pegava, apenas uso pontual da comunicação.

O que tinha acabado então era a poesia. Essa de fazer as coisas caberem no bolso.

Não dependia mais da lua, mas de todas as outras coisas. As importantíssimas pendências descartáveis cotidianas. Feito gavetas abarrotadas de burocracias, dessas que  ninguém abre até o dono virar estrela no céu.

Precisava mudar o disco, pensou. Logo em seguida a trilha sonora voltou na lembrança. Com muito riso estranhou sua paixão pela nada dramática e romântica música “Total eclipse of the heart”. Drama e humor, luz e sombra, dança de gente estranha que pisa no pé do outro,  ri em velório e chora em casamento.

A partir dali, quando estava perdida passou a confiar na trilha sonora que escolhia, porque trilha é o som do caminho….basta escutar!

Eduarda Renaux 

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