Viver é perder. A cada não que nos é dito, a cada privação,  nos preparamos para as grandes perdas que teremos no caminho. Pessoas que foram poupadas de perder, muito protegidas das frustrações, vão tendo dificuldades bem evidentes de lidar com essa dor.  Quando pensamos em perdas, associamos a coisas mais concretas ou palpáveis. Perda de alguém, de um emprego, um  divórcio. Mas existe um tipo de perda mais abstrata, trata-se dos desaparecidos.

Vou nomear dois tipos de desaparecidos: O ente querido que desapareceu (seja por tragédia, acidente ou sem explicação, o sujeito sumiu e o corpo nunca foi encontrado), e também o ser amado, que se foi, mesmo ele estando vivo e ao lado. Na primeira circunstância, o desaparecido vira uma miragem no deserto, uma proximidade ilusória, um oásis que não se alcança. Já na segunda condição, é como estar sedento dentro de um rio impróprio para o banho. A água esta lá, mas não há o que fazer com ela, além de deseja-la como um dia já foi, límpida e pura.

Relacionamentos podem acabar por tragédia, por desgaste, por morte, por amadurecimento e também por mudanças gradativas que descaracterizam o amado de quem um dia foi. E ele era amado pelo que foi e não pelo que se tornou, inicia-se uma saga do amor “zumbi”. Vasculha-se em todos os lugares aquela pessoa em vão. A recíproca também é verdadeira, quando nossas mudanças foram tantas que já não é possível reconhecer-se naquela forma de amar.

O grande conflito de famílias que possuem um ente desaparecido é que se supõe que esta vivo, a esperança torna o luto impossível. Ali a ausência produz uma série de fantasias angustiantes. Já em relacionamentos onde o desaparecido é metafórico pois a presença física se mantém, a dificuldade esta na assimilação da perda. Do desaparecimento, prevalece a fantasia, o ressentimento, a esperança. Acabar com a esperança é reconhecer que ela estava em Pandora, o jarro de todos os males do mundo.

Freud, no belíssimo texto Luto e Melancolia, escreve que toda a perda é narcísica, ou seja, é o que de nós se perdeu com o objeto perdido que dói. Aceitar perder é aceitar perder-se em alguma parte e construir algo novo em si mesmo. Viver é perder. Viver é perder-se. Perder-se é se reencontrar de outro modo.

Após o atravessamento do luto algo se cria, uma versão diferente de nós aparece. Mas é preciso ver o morto para enterrá-lo, tirá-lo da condição de desaparecido.  Nomear o que essa perda significa é uma forma de materializa-la, em forma de palavra, de história.

Matar a esperança não é desistência, mas insistência de se reinventar apesar de uma perda…é insistir na vida, é transformar esperança em saudade! É também poder descansar em paz…os vivos também precisam…

Eduarda Renaux

 

 

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