Um sol de cegar os olhos! Sentada na praça, tão atordoada quanto a multidão que ali passava. Mas não era isso que justificava sua cegueira daquele dia. Se era olhar cego ou vago, nem Cristo sabia. Ela se mantinha sentada sem saber bem no que reparava, tudo e nada lhe chamavam a atenção. Lhe faltava corpo.
Existe uma angústia que não se nomeia quando o pensamento parece não ter direção ou intenção. A claridade ofuscava a clareza das idéias, mas também, clareava as idéias obscuras. E o conceito de existência sufocou o peito, engessada na definição crua de que de coração e respiração que se faz do corpo uma vida. Essa foi a primeira anotação que fez no pedaço de papel que trouxe consigo: “Fazem um corpo viver, mas não garantem a vida.”
Ela era multidão, ela era a dor de cada peito e a respiração pesada de cada angústia. Mas também era o sorriso fácil e o frio na barriga, e até samba no pé. E foi assim, tal qual uma mãe que vai nomeando cada parte de seu bebê para dar-lhe um corpo linguareiro, que a Neurótica conseguiu ser mais que um coração e um pulmão. Dando com a língua nos dentes, safou-se de ser Psicótica e manter-se Neurótica. Ela era cara de pau para lidar com situações extremas mas fazia corpo mole com aquilo que não parecia urgente de resolver.
Ela era mão boba quando estava com um amor engatado, sangue nos olhos quando sentia-se desafiada e o calcanhar de Aquiles daquela antiga paixão. Era também dedo duro do chefe e costas quentes de muita gente. Por vezes, falava pelos cotovelos e metia o nariz onde não era chamada. Defendia com unhas e dentes uma vitória, mas parecia ser feita de açúcar quando fisgada por uma boa história.
“De caco em caco construo meu mosaico”, prosseguiu escrevendo. De palavra em palavra, construo um corpo. Ela já não era só multidão, mas a identificação com a particularidade de cada um que passava. Ela não mais só existia, ela era vida. E podia a compor como queria….
Ser,
Vida,
Ser vida,
Servida…..
Do que lhe dá vida!
E o que se escolhe na vida para dar vida a vida vai fazer toda a diferença para a vida que se tem.
Eduarda Renaux