A Neurótica lembrou de uma lembrança que nunca aconteceu. Mas desejou tanto essa cena que virou verdade, e de vez em quando é assim, lembrava de um futuro que já tinha vivido.

Passado, presente, futuro, sua cronologia é outra e ela brinca de confundir as estações. Sente calor ao lembrar do futuro inverno ao lado do seu primeiro amor. Sente o perfume da plantação de jasmim que sabe que não poderá ter no próximo outono. Ela dança em uma cantada, caminha olhando para baixo para não ser interpretada, se pergunta se é mulher formada na turbulência do avião.

Ela sofre da melhor das doenças, uma vontade exagerada de viver, chega a se colocar em risco. Quando o risco deixou de ser emoção e virou perigo de verdade, ficou com medo exagerado de morrer. Culpou a humanidade por isso. Foi para os trilhos da pior estação. Embarcou em cruel segurança. Angustiada com a vida que ficava para trás. A vida e seus riscos, roubados com seu café com leite, onde o risco era de brincadeirinha, não conta na conta.

Em troca a segurança e um padrão, um único caminho, passou a viver de um futuro inventado onde era corajosa de novo. E ela foi, mas esqueceu, esqueceu dessa verdade enquanto lembrava de uma mentira.

Se perdeu novamente, saiu do trilho seguro que não a segurava mais. Achou tão romântico ver os trilhos do trem, já tinha esquecido como eles eram, feito escadas horizontais. Tem outros jeitos de subir na vida! Lembrou que não gostava de leite, manteve o café com quatro gotas cancerígenas de adoçante.

Agora é por conta e risco. A morte é certa, a vida é incerta. A vida é a doida que sussurra no ouvido da morte e não o contrário e por isso a vida é um sopro. O maior risco da vida é viver. Confundir essa estação será a pior das doenças, essa de ser um padrão.

A amiga que percebeu que a Neurótica já estava quieta demais fazia uns dois minutos lhe deu um cutucão. “Ei, no que esta pensando?”. A Neurótica se assustou e se aliviou com a pergunta. Sempre um alívio ser noticiada de que pensamento é privado, enquanto o silêncio é público. “Estava pensando que queria comprar uma bicicleta”. A amiga retrucou de que achava muito perigoso porque não tinha muita ciclovia na cidade. A Neurótica sorriu e seguiu, “era exatamente nisso que eu estava pensando”.

Eduarda Renaux

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