Junto comigo, na sala de espera do hospital havia um senhor que iria operar o joelho, primeira anestesia geral da vida daquele homem. Eu, com supostamente metade de sua idade celebrava meu quinto aniversário dessa anestesia que simula muito bem a morte, a força entrega de quem resiste em querer viver. Ele estava muito nervoso com a demora, com o atraso de seu procedimento. Ali como eu imaginava ganhar em experiência, lhe disse: “se preocupe quando o hospital avaliar que não possas esperar, que não tenhas mais tempo. Quanto mais esperas, teu caso se mostra mais brando do que dessa gente que tem má sorte na saúde.” Ele me respondeu que essa mania de ver copo meio vazio sempre o fizera mal. Só que vinha coisas ruins na cabeça.
Me pus a pensar no copo meio vazio, respirando fundo o ar aromatizado de drama que certamente colocam em cada hospital. Pois quem esta em hospital, esta com o copo meio vazio. Vazio de palavra, de fantasia, de imaginação, de história.
Tua vida é o bocado de exames que carregas nas mãos. Teu histórico é se tens alergias, hipertensão, diabetes, depressão. Teu tipo sanguíneo é o mais próximo que você chega sobre o significado dessa palavra. Tua roupa é um uniforme, pouco digno por sinal. Sim, teu corpo esta quase reduzido a copo vazio, puro corpo, pura matéria.
No andar do hospital contava também a maternidade, o choro de cada bebê que nascia lembrava o milagre da vida. Mas era também aquele choro que remetia ao desamparo que esquecemos desde tão cedo. O trabalho de nos encher o corpo com palavra e alegria, entusiasmada recepção. Tanta história desde a descoberta da gestação e tantas outras por vir. Não poderia ser choro de medo, mas de alegria, de quem goza de um copo cheio, que pode ser passado de mão em mão para que todos possam degustar a maravilha que é um por vir, uma história que se inicia.
Mas hospital é lugar de sofrência, nascença e também de renascença, mesmo com diferentes anestesias. É aposta de vida nova de quem já tinha desaprendido que a vida podia ser melhor. Embora rodeado dessa atmosfera de mal aventurados, esquecemos que na sala de emergência existe um sopro de vida, existe um resgate daquilo que se perdeu, um desejo de resistir a ser copo vazio.
Mesmo os desafortunados que não podem esperar, desejam tornar-se novamente o milagre da vida. Recuperar-se é colar os cacos, é humanizar-se aos poucos, é encher-se novamente ali onde as palavras são rasas. A recuperação é mais que a certeza da sobrevivência, é tornar-se você novamente, tempo mais trabalhoso esse de se encontrar dentro de si próprio, sabendo que vais te encontrar diferente do que eras.
Eduarda Renaux