“Uma imagem vale mais que mil palavras” nos diz Confúcio, filósofo chinês. Esse dito que já virou mantra popular revela uma verdade mas esconde uma outra versão: uma imagem nos poupa mais de mil palavras. Palavras tão caras, tão difíceis de se encontrar para falar do que se viu, sobre uma experiência que se viveu.
Agora, vou tentar recorrer as minhas mil palavras de direito para falar das imagens que me marcaram feito ferro escaldante, feito navalha nos braços, feito um soco no estômago. Eu até desejaria alguma poesia, porque essa sou eu, acredito profundamente na potência transformadora das palavras na vida de cada um. E a forma como cada um escolhe usar suas mil palavras podem sim resignificar uma imagem em outra coisa que seja possibilitadora, inventiva, transformadora. Mas creio que esse texto não terá uma função de desdobramento de uma realidade mas uma denúncia, um desabafo.
As pessoas me perguntam como foi uma viagem que fiz recentemente. Percebia que inicialmente só conseguia dizer que tinha sido intenso. Mas eu queria falar mais, eu queria que outro quisesse verdadeiramente saber. Eu queria que me perguntassem quando pudéssemos falar e não de passagem na rua. E o que eu sinto é solidão, porque quando a imagem prevalece sobre a palavra, a vivência se cola na imagem, parecendo não precisar se fazer falar para ser decifrada.
Aonde estive? Israel, Palestina e Jordânia. Mas me ocuparei em falar brevemente sobre a Palestina, que se tornou o estado de Israel em 1948 e desde então vem sofrendo todo o tipo de violência que um povo pode sofrer: moral, cultural, física, geográfica, emocional, psíquica, econômica, social, entre outros. E tudo isso por de trás do muro, na invisibilidade.
Eu nunca vi um país tão militarizado como Israel, isso me chamou profunda atenção. No final dos primeiros quatro dias, infelizmente, já estava quase habituada a ver garotos e garotas (muito jovens) com fuzis e metralhadora andando tranquilamente pelas ruas.
Passados os quatro dias, cruzamos o muro para ir a Belém que fica em território Palestino. Eu sofri de claustrofobia mesmo estando numa cidade. Toda a Palestina é murada com cerca elétrica e comandadas por militares Israelenses. Não existe nenhuma entrada/saída que seja coordenada pela Palestina. Eu não tenho outro nome para dar a isso que não seja prisão.
Ser expulso e preso na própria casa, ter sua voz abafada e sua causa escondida, é aniquilante subjetivamente. Essas pessoas são sobreviventes e estão no limite do que um ser humano pode atravessar de dor e sofrimento. Todos os muros são intensamente grafitados com essas vozes que só podem sair por imagens. Quem sabe devo concordar com Confúcio, quando não se pode falar, uma imagem pode valer mais que mil palavras. Pois não se trata de palavras poupadas, mas abafadas e silenciadas, sendo assim, valem ouro.
Depois de muitas horas na cidade e arredores, posso afirmar que nada mais fazia sentido para mim. Me lembro de ir na Igreja da natividade em algum momento, mas não lembro de nada daquela igreja. Mas lembro com uma vivacidade surreal da praça que ficava em frente a igreja, onde havia um manifesto dos crimes de guerra cometidos por Israel.
Eu queria um spray, eu queria ir no muro, eu queria ficar sem silêncio de luto, eu queria gritar bem alto…Eu queria ir embora e parar de ver tudo aquilo, eu queria ficar e lutar junto e dar um ombro amigo…Eu queria minha ignorância de volta, eu queria nunca ter sido ignorante. Eu queria agradecer por ter vivido, visto e sabido, eu queria me bater por ter escolhido tudo aquilo…
Ou seja, eu não sabia o que queria. E não sei se agora eu sei.
Mas não posso ficar na imagem que carrego todo dia comigo, posso trazer um pouco dessa história para perto, trazer um pouco dessa voz para fora do muro. O PalavrAcolhida vai acolher esse delicado assunto, espero que vocês acolham e que ajudem a dar voz. Vale mencionar que das paisagens mais lindas, as da Palestina foram as mais belas, a mais tocantes e por incrível que possa parecer, mais acolhedoras. Transformar a tensão do conflito em acolhimento, se não é um dom é uma mágica, que atribuo a eles toda minha admiração.
Para finalizar esse primeiro escrito, gostaria de contar como foi nossa saída. Saímos de ônibus e na “fronteira” todos que eram “de fora” ficaram sentados e os Palestinos tiveram que sair do ônibus e prestar contas (ou mostrar suas autorizações) para os militares Israelenses. Pela primeira vez eu experimentei o verdadeiro significado de vergonha. E entendi porque é comumente conhecido o muro que divide Israel e Palestina como o Muro da Vergonha.
Eduarda Renaux