Tanto a cura como a doença bebem da mesma fonte, o amor. Se o coração fosse bússola, os pontos cardeais seriam as direções que cada um escolhe para amar e ser amado. Num encontro, me encontro no outro. Os amores tão intensamente vividos, que nos marcam a pele feito rugas e cicatrizes. No olhar, enxergamos a expressão de gente sofrida e também o brilho de quem carrega as paixões ainda vivas, fortes no peito. Os envergonhados sabem o quanto do outro se vê nos olhos, chegam até a evita-los. Quem já não desviou de um olhar, o espelho da alma?
Das nossas águas salgadas brotam as lágrimas, de quem lutou cara a cara com o mar aberto, sentiu o desamparo da falta de terra firme para mirar, diga-se de passagem, a miragem de um outro, de alguém para confiar a vida. Quando a miragem falta, uma solidão tão crua, que esvazia nossos oceanos e chega a nos deixar secos por dentro. O bicho-gente passa a vida transformando desconforto em sofrimento. A lágrima da dor física vai se humanizando, com o tempo, se torna sofrência afetiva, já tão lapidada que chega a ser bela.
“Se cura um amor com outro” diziam para a Neurótica. Mas há de existir um primeiro amor. Engana-se quem pensa que é só de amor romântico, esses de casal, que um travesseiro acolhe as lágrimas. Simples e complicado assim, trata-se de amor, de ser amado, de ser aceito, de sentir-se seguro, de morar no calor do coração do outro.
A Neurótica achava que não sabia amar porque não sentia que seu primeiro encontro com o outro foi desses de espelho da alma. Carregou a cicatriz de se pensar não ser amável o suficiente, de não ter um olhar para olhar. “Meu abrigo não foi um colo, não nasci da água, mas do deserto”. A filha da mãe queria chorar oceanos. Mas sempre se via construindo castelos de areia nos relacionamentos. Precisava de pouco para ruir.
A Neurótica era feita das áridas areias, dos extremos do calor e do frio, de tempos hostis. Feito deserto, a cada sopro toda sua geográfica mudava. Sofria de uma instabilidade horrenda. E por isso temia tanto os ventos da mudança, pois a cada transformação já não podia dizer de si.
Mas os ventos inevitavelmente haviam mudado, sentiu terror, mas também uma curiosidade. Cabe sinalizar que a única barreira possível para combater a hostilidade é a curiosidade. A curiosidade é resistência….é o espelho de um olhar.
Eduarda Renaux