Quem choraria minha morte? Uma pergunta que a Neurótica sempre se fazia como uma tentativa de medir sua importância nesse mundo, tão cheio e tão ruidoso. Justamente ali onde o outro já não importaria mais. Onde não iria abrir os olhos e vê-los lá, com seus problemas e onipotências. Às vezes não tinha certeza se o Shakespeariano romance “Romeu e Julieta” se tornara uma épica história de amor ou a realização de um desejo macabro: poderia o outro sobreviver sem mim? Pode-se morrer de “brincadeirinha” para assistir essa gloriosa importância?

Descansa em paz o morto porque quem sofre é quem fica. “O inferno são os outros”, já dizia Sartre, moço sábio esse. Mas engana-se quem pensa que é de morte morrida que se inventa um luto.  Existia vida antes da sua chegada ao mundo, essa foi a constatação feita pela Neurótica com cinco anos de idade ao perguntar de onde vinham os bebês. Seus pais não nasceram com ela, tiveram inclusive uma interessante história juntos. O luto do desde sempre e para sempre, do infinito.

Como ousaram ter uma vida feliz sem mim? Sofria a pobre criança desamparada das próprias ilusões. Até a profe da escolinha, já teve outros alunos e terá outros e mais outros depois da Neurótica mirim, golpe sujo, golpe baixo, traição!  O mundo se fez mundo desde sempre, apenas seu mundo começou ali onde nasceu. Que pesado não carregar o mundo nas costas. Que grande dor essa de não ser a única causa e conseqüência da humanidade. Preferia não saber de onde vinham os bebês. Quem sabe por isso tinha sérios problemas para se relacionar. Ali onde essa pergunta lhe retornava mesmo sem saber.

– Tú, tú, tú, tú!!! Não te ocorre que a vida do outro não gira mais em torno do teu umbigo desde que saísse da barriga da tua mãe? Perguntou a voz do outro lado da linha.

As vozes sempre tão certeiras em trazer incômodos. Precisava falar justamente sobre a mãe? Será que as pessoas não entendem que não é por acaso que “ Seu filho da mãe” virou um social lembrete desconfortável? Pobres mães, deveriam inventar algo que as ajudasse nesse fardo. Algo como: Sua mãe de filho! Pior dos xingamentos, riu de si mesma, aliviada com a divisão prática do problema. Mas por alguma razão, ser mãe de filho não ofende. Experimenta ser um filho da mãe?

– Vá ler história antes de criar histórias. A voz importuna pronunciou. O antigo Código Cívil não legitimava filhos fora do casamento, por adoção ou mães solteiras. Ser filho da mãe era ser um bastardo sem direitos. Ponto. E já lhe disse para procurar um psicólogo.

Mãe vitima de uma sociedade machista e patriarcal ou algoz da minha vida? Prefiro minha história inventada. Advogado racional, entende de leis, códigos e não entende de pessoas! Entre seu blábláblá fico com meu mimimi.

Mas de alguma forma se sentia amparada pelo blábláblá regado de pompa, regras e códigos cíveis. Ele choraria minha partida? Me dá trela porque não quer desligar? Desligar é tão diferente de desconectar. Sensação que há tempo não tinha. Desligar é separar. Licença para entrar é tão árduo como a licença para sair. Esse lamento de sair sem saber se é possível voltar. Constatar que a vida dele segue mesmo sem mim…

Eduarda Renaux

Publicidade