Meditação, o caminho para a cura. Foi o que ela leu. Foi também o que ela quis ler. Na rede social, quando paramos para ler um texto, efetivamente fazemos uma escolha rara. Entre as seiscentas e trinta janelas de vizinhos, melhor dizendo, de contatos que ela tinha, eram as fotos, os desabafos, as opiniões, os “textão” que lhe interessavam. A grama do vizinho sempre tão mais verde.
Sentia-se tão infeliz e menosprezada com uma vizinhança tão realizada e segura de si. Já tinha lido e ouvido o velho ditado de que quem vê cara não vê coração, mas nem que fosse por alguns minutos dedicados a uma glória, aquela selfie sensual, naquele momento, naquele segundo, algo tão pleno. Alguém havia sido feliz por um segundo. O pensamento vagava por horas sobre o segundo da felicidade do outro. Seiscentos e trinta vizinhos no celular, na palma da mão. Haja grama, vastidão, devastação!
Tentava decifrar em cada janela, com lentes de aumento para enxergar melhor. Aumentar as coisas sempre foi uma maneira impertinente do ser humano enxergar o que lhe convêm. Pensa que vendo maior, começa a enxergar. Pobre chapeuzinho vermelho, conheceu bem essa miopia e foi devorada. A ilusão é cega ou causa deformidades. Em tempos onde ser invejável é condição, ser feliz é render-se a uma humildade mundana. Mas não importava para onde olhasse, eles estavam lá, tão onipotentes, grandes, disformes.
Deveria divagar menos e meditar mais. Foi o que ela pensou. Foi o que ela leu. A tal cura, curar-se do outro, tão grande, tão irresistível. Acendeu velas brancas que guardava na dispensa em dias de queda de energia, colocou Yanni para tocar, sentou no chão com as pernas cruzadas feito índio, fechou os olhos e se concentrou.
Não posso pensar em nada. Seria a epidemia de depressão na verdade uma epidemia de gente que enxerga demais? Pera, volta. Não pensa em nada. Respira. Ontem assisti no jornal que utilizaram armas biológicas na Síria, que cena de horror! Crianças morrendo de dentro pra fora. Deveria ser proibido divulgar isso. Volta, volta! As vezes também me sinto morrendo de dentro para fora. Volta, volta, volta, volta! Pensa em algo calmante, Coelhinhos brancos, ursos pandas comendo bambu, gramados verdes, algodão doce, torta de vovó. Pensando nisso, será que eu desliguei o forno? Volta, respira. Chega!
Irritou-se com a própria irritação. A meditação foi um fracasso. Sentiu-se desamparada. O silêncio era barulhento demais. Esse ruído que vem de dentro. Não importava o quanto se afastava, eles ainda estavam lá. Onipresentes. Precisava de ajuda, precisava de um outro que lhe ajudasse. Estava incrédula com a própria constatação. A meditação até que foi bem sucedida. Estava a caminho daquilo que não se cura, mas que se pode tratar. As lentes disformes, a medida das coisas.
Pegou o telefone, ali onde o outro a princípio não estava porque até então não existia. Ali onde não poderia espiar, onde teria que pedir licença para entrar….licença para entrar.
Eduarda Renaux