Final de ano chegou, nada mais justo que celebrar o tempo que passou. Para facilitar as homenagens e as declarações afetivas, o amigo secreto tornou-se com o passar do tempo uma brincadeira bem vinda.

E é nessa brincadeira que um garoto sentando em seu banquinho quebrado, instalado propositalmente em uma varanda enjambrada de sua casa, ficava ecoando sem parar.Era um garoto tímido, pouco criativo embora muito imaginativo. A confraternização geralmente era um pesadelo. Não sabia falar palavras bonitas a alguém que convivera. Pensava que o amigo secreto, por vezes, era um “amigo por vir”. Um convite à amizade.

Além de suas poucas palavras não lhe ajudarem no momento da apresentação, existia também um sentimento de impotência terrível que lhe cercava as idéias. Sentia-se mais só que o normal. Preferia não se queixar da solidão e assumir seu jeito fechado como uma marca sua.

Nesse mesmo banquinho meio manco, via a si próprio imaginando as pessoas que já cruzaram sua vida. Ele era jovem mas já sentia que tinha vivido tudo que se tinha para viver, sentia-se como um jovem velho garoto.

Queria conseguir falar para cada um que lhe marcou a vida, revelar o sentimento que tinha. Imaginou a colega de trabalho que lhe escutou um desabafo num dia desesperado. Como desejava falar a ela que suas palavras lhe deixaram mais tranquilo naquele momento.

Queria falar para o vizinho que safou sua timidez em uma das vezes que foi em um barzinho do bairro, o quanto era grato a sensibilidade de lhe ajudar nos lugares públicos.

Ansiava por compartilhar para a esposa de um artista que a alegria dela quando o recebia nos sarais da cidade apaziguava sua sensação de sentir-se deslocado.

E assim seguia pensando em várias pessoas que não podia chamar de amigo, mas que assim o eram: amigos secretos.

A amizade não é uma relação que se anuncia num megafone, mas uma lembrança de amparo que apenas alguém sensível é capaz de conceder. Gostava de conviver bem com as pessoas, mas não lhe era possível fortalecer os laços. Sua vida era um eterno amigo secreto que não tinha hora para se revelar. Na sua fantasia até sabia o que falaria, mas temia o que escutaria.

Ninguém entendia muito bem que sua timidez não era vergonha de falar, mas sua impossibilidade de ouvir. Não era egoísmo, apenas uma fragilidade imensa em ter notícias de como sua imagem vinha do outro.

Lembrara na época da escola o pavor que os colegas sentiam quando podiam ver através do formato da embalagem, uma caixa de chocolate garoto ou nestlé. Ninguém desejava chocolates, pois teriam que repartir com os outros. Pouco serventia.

Em meio ao devaneio, lhe ocorreu aceitar que uma caixa de chocolate não é um presente de pouca valia. Ao contrário, é um presente generoso. Um presente cujo o endereço não é apenas um: a gula de um único sujeito. Mas um convite a todos aqueles que desejam usufruir da doçura daquele momento. É a única caixa que ao abrir-se se pode oferecer algo ao outro que não seja a admiração. Cada um leva um pouco desse presente consigo.

De pronto, surge uma voz que vem de longe, lá da calçada: “O que me dizes, garoto?” Mesmo sem ter entendido qual era o convite, por estar imerso no seu devaneio um bocado produtivo, pegou o boné e foi ao encontro do amigo, provavelmente secreto, secretamente importante.

Eduarda Renaux

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