“Quanto custa uma alma tranquila e o sono de um inocente? Falam tanto do poder das cifras e esquecem que poderoso mesmo é o pensamento, que mesmo tão abstrato consegue exercer um poder tão concreto!”, proferiu em voz alta numa praça movimentada da cidade um pensante ambulante e meio moribundo. Cada um que passava e escutava as proféticas palavras, concluía quase da mesma forma, apenas um louco.
“Todos estão fadados a morrer de tanto pensar e penar com a miséria do pensamento. Hoje optamos por pensar em quantidade ao invés de qualidade. Pensamento é como alimento, pode encher-nos a cabeça com porcarias ou nutrir-se com poucas e boas porções de reflexão”. Nesse momento, alguns se interessaram pelo o que o pensante ambulante tinha para dizer, o que encorajou o senhor a continuar seu discurso em voz cada vez mais alta e convicta.
“De território não vive só as zonas de guerra. Cada gente nessa vida há de conquistar seu espaço para viver. Não sem luta que conquistamos o caos da singularidade. Quem aqui conseguiu conquistar seu espaço que não fosse a duras penas, a duras culpas, a duros confrontos? Mas o pensamento é um imposto territorial que a mente cobra, mas esse nenhum ser humano consegue sonegar!” Nesse momento já se formava uma espécie de grupo ao redor, aplausos soltos, videos na internet, alguns admirando e outros protestando a voz incômoda.
Pensamento inflado é como a voz da praça, conteúdo de procedência pouco confiável, ruidosa, insana e incômoda. O ambulante pensante que já não suportava mais o que vinha pensando de toda essa gente que não pensa bem das idéias, estava decidido a tirar as vozes da cabeça.
“Mas os senhores estão mais ocupados a fortalecer os músculos das nádegas e esquecem do músculo cerebral. Acreditam vocês que apenas o corpo tem sede de estética?”. Ali já estava a multidão, clamando pelo pensante ambulante que fazia as pessoas pararem para ouvir.
“Pensamento não tem sonoridade, mas são as vozes que a mente abriga. Pensamento não tem materialidade, mas ocupa espaço na gente. Pensamento não tem consistência, mas é capaz de paralisar um corpo inteiro. E todos temos a audácia de subestimar os pensamentos?”. A multidão aplaudia, delirava de emoção.
E nesse momento o Senhor calou-se como se mais nada tivesse a dizer. Como se todo o pensamento lhe tivesse vazado pela boca. Sentiu o peito leve e a mente tranquila. A multidão começara a se dissipar e retomar o rumo do dia, motivados pelo grande acontecimento.
Após a 24h da viralização do discurso na rede e do episódio na praça, poucas pessoas lembravam do ocorrido, e permaneciam quase que exatamente como eram. Afinal como já estava advertido o Sr. Pensante, se engana quem acha que vai gestar idéias e mudanças em solo estéril, ali onde só se prolifera os pensamentos automáticos e burocráticos. Por isso escolhia ser ambulante, pois seus pensamentos tinham sede estética e disposição ao movimento.
Eduarda Renaux