Era filho da curiosidade e da vida. Sem curiosidade provavelmente não buscaria engatinhar explorando o mundo a sua volta, mesmo com um certo desconforto em seus joelhos e palmas da mão. Sem a curiosidade também não se assustaria com os enigmas das letras, com a grandiosidade das frases e com a chatice da gramática. Mas a curiosidade sem dúvida o levou ao desamparo e teve medo de tudo que sua curiosidade o levaria a descobrir. A história aconteceu da seguinte forma:
Sua brincadeira preferida era ser cientista e seu laboratório secreto consistia em dois guarda-chuvas abertos no quarto com uma manta por cima deles dando a perfeita impressão de uma cabana rústica. Por ser um projeto ultra-mega-hiper secreto, a cabana teria que ser assim: pequena, escondida e de poucos recursos. A imaginação era a única verba que dispunha e o ganho da investigação seria o reconhecimento de toda a humanidade – sua família e um par de amigos que tinha na escola.
Embora seu mundo fosse bem menor do que o mundo o é de verdade, isso pouco importava, afinal alguns adultos apenas aumentam seus guarda-chuvas. O fato era que seu mundo era imenso ali mesmo, embaixo da cabaninha da curiosidade. Junto com os ursinhos e bonecos que na missão estavam, ele decidiu que teria que explorar um pouco mais a sua volta. Saiu da cabana como um herói, olhou para seus colegas de aventura e proferiu um corajoso: “Eu vou! Mas eu volto!!”
Pegou uma embalagem de fita K7, colocou algodões e algumas formiguinhas. Queria entender como as formigas viviam e ponderou que o algodão as deixariam mais confortáveis. Nomeou o projeto de berço das formigas. Ao final do dia, já cansado do experimento, colocou as formigas para dormir, fechando a embalagem. Dia muito difícil para um jovem cientista, mas satisfatório. Acordou cedo pela manhã e se apavorou que não havia feito as tarefas de português e matemática.
Levou anotação na agenda da Dona Maria, uma senhora já cansada da falta de vontade de aprender de seus alunos, depois em casa recebeu algumas palmadas na bunda de seus pais, um casal já cansado por também se acharem um fracasso na educação do filho. Como sabia que a ciência tinha seu preço, após alguns pensamentos de ódio a si mesmo retornou ao seu trabalho de investigação.
Dia 12 de setembro de 1993 fora o dia mais desolador que o pequeno cientista tivera. Abriu a embalagem de fita K7 e lá estavam as formiguinhas sufocadas no algodão. Nenhuma sobrevivera ao sono eterno que foram submetidas. Em lágrimas, abortou o projeto ultra-hiper-mega secreto e correu para sua mãe e questionou o que acontecera com as formigas. A mãe com aquela anotação na agenda ainda engasgada na garganta, tirou força para dar-lhe um colo e explicar que sem ar as formigas morreram, mas que ele não se preocupasse pois no jardim haviam outras formiguinhas.
Pediu a mãe que as acordasse da morte, pois eram aquelas que importavam para ele. A mãe não tinha ideia da proporção que aquela situação tinha para seu filho e tentou explicar de forma suave e desconcertada que não se pode acordar da morte.
Com a fita K7 nas mãos foi para a cama e chorou por algumas horas, já não chorava pelas formigas, mas porque seu experimento lhe levou a descoberta da finitude. Já não sabia mais diferenciar o sono da morte e passou a negar dormir sozinho.
Estava sentado vendo desenho quando uma pomba bateu na janela. Deu água a ela, mas não resistiu aos ferimentos. O irmão mais velho, já sensibilizado de que seu irmãozinho estava passando por dias muito difíceis mas que ninguém entendia bem o porquê, fez uma carinhosa proposta de enterro a pombinha.
Foram ao jardim, cavaram um buraco, colocaram a pombinha, botaram a terra por cima. Inventaram uma oração e o irmão mais velho olhou e enxergou verdadeiramente o sofrimento do irmãozinho e disse: “Agora ela esta no paraíso das pombas”. O ritual seguido das palavras acolheram um pouco a dor. Quis perguntar o que seria o paraíso das pombas e como poder saber se esse paraíso existia. Mas preferiu apenas acreditar para poder se acalmar. Calou a curiosidade para sobreviver.
O conhecimento seria perder o paraíso. Fazer descobertas e continuar sendo curioso é um ato de coragem diário que algumas pessoas escolhem fazer. Existem descobertas insuportáveis que somos obrigados a esquecer para seguir vivendo. Mas elas ficam lá, impressas na malha fina da pele, nos teares do pensamento. Todas as criança são cientistas, exploradoras do mundo, filhas da curiosidade. O cientista já adulto não é filho da inteligência, mas perseverante de ultrapassar a ignorância sem cair no abismo do desamparo da própria descoberta.
O jovem cientista lembrara do que falou para seus colegas de laboratório: “Eu vou, mas eu volto”, mentia sem saber. Quando sua mãe lhe falava isso antes de dormir ou ao deixa-lo na escola, mentia, mas ela fingindo não saber. Lazarenta, pensou ele. Mas ainda instigado pela curiosidade sobre o paraíso das pombas e pela imensurável beleza da imaginação, optou por continuar correndo o risco dessas promessas que não se faz a ninguém, essas de ir e voltar.
E com um ar de maturidade e grandiosidade, olhou os seus bonecos e ursos cobertos pelo abrigo do guarda-chuva, olhou para sua cama e para a janela que denunciava a escuridão da noite e proferiu um sério e firme: Voltei!