“A agente se acostuma. Mas não devia”.

Marina Colasanti

Estava no telefone, quando a pessoa que me ouvia se encorajou a perguntar: Por que estais ofegante? De pronto respondi: Não estou ofegante.

Pelo menos assim me sentia, de fôlego normal. Com histórico de rinite e por ter ficado desconcertada com o comentário resolvi agendar uma avaliação com o médico.

Eis que o médico me diz: Você sabia que quem tem rinite dificilmente procura um médico? Curiosa com essa colocação perguntei o motivo. Ele responde: Quem sofre de problemas respiratórios, se acostuma a respirar mal e acaba não conseguindo diagnosticar quando esta em crise. Moral da história: Você se acostumou, mas não devia.

Essa máxima se aplica muito além de pulmões. Como anda nosso fôlego para viver e construir nosso lugar singular no mundo? Percebemos nossa acomodação frente as demandas diárias? Enxergamos que não nos opomos àquilo que nos oprime?

Pessoas muito bem adaptadas ao meio social, pagam preços altos pela busca dessa adequação. É impossível se adaptar a tudo sem matar o motor de nossas próprias aspirações, ou seja, sem colocar o desejo em risco.

Adaptação significa “ajuste de uma coisa a outra” que trocando em miúdos significa que gradativamente vamos nos transformando em alguma outra coisa que não duele com nossos monstros internos, quase que uma morte lenta. Mas como essa tentativa é sempre fracassada, o corpo grita, seja através de sintomas ou de atos.

Estamos habituados a sufocar pelas palavras não ditas, a remoer pelo não feito, a não reconhecer os próprios limites, a priorizar expectativas alheias, não despender energia em conflitos necessários. E se nos acostumamos é pelo temor das inevitáveis perdas que teremos no caminho, entre elas: não ser mais amado pela submissão e passividade que a adaptação nos submete e pela angustia da autonomia.

Mudar é difícil pois colocamos o fôlego no lugar errado. Naquilo que importa: nos julgamos incapazes, já cansados das inúteis pequenas batalhas diárias. O desconhecido é um cenário em que nos vemos mais sós, o novo é um desassossego constante. Mas respiramos melhor depois disso. E quando respiramos melhor ficamos estarrecidos ao ver o que éramos.

Sou grata a pessoa que ouviu minha falta de fôlego. Tem um mundo de gente que espera que você se acostume, mas também existem aqueles que te lembram: mas você não devia!

Depois partimos para uma segunda etapa: a gente não se acostuma, e por isso incomodamos os acomodados. As vezes não incomodamos, mas deveríamos!

Eduarda Renaux

 

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