“Um casal dedicava especial atenção e carinho a um gato de estimação. Quando fizeram uma longa viagem de férias, deixaram o gato sob os cuidados da empregada. Após alguns dias, a madame ligou e perguntou sobre como estava o gato. A empregada, então, respondeu:
— Seu gato morreu!
A madame, nervosa e desesperada, entrou em pânico. O marido, também, chocado, repreendeu a empregada, dizendo-lhe que deveria ter sido mais cuidadosa e sensível ao dar a notícia. Ele a instruiu sobre uma forma mais sutil de transmitir tais acontecimentos:
— Você poderia começar dizendo “o gato subiu no telhado”. Depois diria que ele se desequilibrou. Em seguida, que caiu do telhado e acabou não resistindo à queda. Seria mais sensível.
Semanas depois, estando ainda de férias, a madame ligou novamente para a empregada e perguntou-lhe se tudo estava bem. A empregada, cuidadosamente, respondeu-lhe:
— As coisas estão indo muito bem. Mas sua mãe subiu no telhado…”
A expressão “o gato subiu no telhado” surge a partir dessa bem humorada narrativa de um casal que sai de férias e são pegos desprevenidos com a morte de seu estimado gato. Conheci pessoas que utilizavam a expressão mas desconheciam a piada. Quem sabe porque já não seja necessário falar dela, ela já está internalizada como analogia a uma tragédia anunciada.
Alguns acontecimentos na vida são trágicos e ocorrem sem que estejamos preparados. A piada refere a uma cotidiana súplica nossa ao destino de que este seja mais sensível a nossas emoções e vá nos preparando para as más notícias. Mas Óh destino cruel!
O estado de terror surge quando estamos psiquicamente desprovidos de recursos para enfrentar a fato dramático que impiedosamente se impôs. Muitas vezes esses estados pós-traumáticos possuem uma configuração bastante específica, tais como: terror, estado de impotência, impossibilidade de agir e medo excessivo.
O medo é um recurso que utilizamos para canalizar um desamparo mais geral em um objeto específico. Ele é um estado afetivo que tem como objetivo nos prevenir de um perigo. Quando não sabemos onde reside o perigo, o medo se torna generalizado gerando angustia. Sendo assim, o medo possui um objeto específico. Já a angustia não.
Embora esperamos que fatores externos anunciem o perigo, o que ocorre é o contrário: a angústia é o anúncio de que o sujeito esta em risco. Vem de dentro, não de fora. Sendo assim, a angústia é uma proteção do aparelho psíquico para que este não seja acometido por um estado de terror. A angustia não é causa, mas efeito de algo que não vai bem.
Acontece que encaramos muito mal a angústia. Queremos silencia-la ao invés de interpretar sua fonte e mudar de atitude, de posição. A piada fala de algo que já aconteceu mas que poderia ter sido informado de forma fragmentada gerando as proteções psíquicas necessárias para o enfrentamento da perda. Mas o que fazer com a mãe que subiu no telhado? Só resta rir?
Para esse casal, subir no telhado já não se refere mais a uma arte perigosa ou uma ação corriqueira. Subir no telhado é morrer. E nosso sistema psíquico é assim, faz uma série de associações que possuem um sentido que é singular e específico para cada um a partir de histórias vividas, mas na maioria das vezes esquecidas.
E é nesse telefone sem fio que nossa consciência fala. Muita coisa se perdeu pelo caminho. E esse caminho suprimido, censurado de nossa psique gera os afetos mais diversos. A angustia é motor de transformação ou freio de mão. Cabe ao sujeito a escolha do que vai fazer com ela. Mas que ela mia em nós, mia e muito. A hora que parar de miar é porque o gato subiu no telhado!
Eduarda Renaux