Não permito que nenhuma reflexão filosófica me tire

a alegria das coisas simples da vida” (FREUD, S.)

As escolas de samba e o carnaval passaram a se tornar uma importante atividade comercial a partir da década de 60. E como em quase todas as datas festivas, a comercialização muitas vezes ofusca suas raízes culturais. Nesses cenários, mais do que comercializar um produto, se vende um modelo de comportamento.

Lamentações de que o extrato da “felicidade” no final do feriado consta negativo e queixas do fracasso da euforia nessa época do ano são comuns. Ressentidos de não terem atingido o suposto ideal, mascararam a frustração, definindo o carnaval como engarrafamentos imensos, aglomerações, “pão e circo”, brecha para jogadas políticas, etc. Não que assim não o seja por vezes, mas essa é apenas uma das facetas e o Carnaval não se reduz a isso.

Em uma breve história do Carnaval, Me. Teles Pinto conta que no Brasil o Carnaval iniciou no período colonial e que uma das primeiras manifestações carnavalescas foi o Entrudo, uma festa de origem portuguesa que, na colônia, era praticada pelos escravos. Estes saiam pelas ruas com seus rostos pintados, jogando farinha e bolinhas de água de cheiro nas pessoas. Esta prática foi marginalizada e reprimida, porém encontrou outros rumos para continuar existindo.

Já as marchinhas de carnaval surgiram apenas no século XIX, cujo o nome originário mais conhecido é o de Chiquinha Gonzaga com sua música “O Abre-alas”. Entre as classes populares cariocas surgiram as primeiras escolas de samba na década de 1920. Sendo elas: “Deixa Falar” – futura Estácio de Sá; e “Vai como pode” – atual Portela.

Retomando o aspecto singular e subjetivo do ser humano, podemos pensar a infância como o carnaval por excelência, onde na fantasia e na brincadeira tudo é possível. Uma vassoura vira cavalo, uma boneca vira filha, um lençol vira capa de super-herói, uma panela vira chapéu, um galho na rua vira espada, um papel crepom vira saia de bailarina. Quando a brincadeira termina, volta-se a ser o que se é para depois voltar a brincar do que se deseja vir a ser. E com isso, não só brinca de ser um ideal, como também, aproveita de um momento de prazer.

A vida em civilização é difícil, onde frustrados pelos limites, pelos interditos para se viver em sociedade, o brincar pode ser um momento de elaboração dessas angústias, além de uma importante cota de alegria – tanto para crianças quanto para adultos. Veste-se a fantasia mas não se confunde com ela.

O carnaval é uma dupla lembrança: a primeira diz de sua tradição Brasileira, onde mesmo nas situações mais dolorosas, de submissão e frustração, há de se buscar um momento de liberdade e transmitir algum prazer compartilhado com o outro.

A segunda,  diz do faz-de-conta da infância, onde tirávamos proveito do brincar como recurso para criar folego, voltando fortalecidos e criativos para a realidade que se impõe.

E como toda a euforia canalizada em grande intensidade em um período curto de tempo, vem o necessário momento de maior apatia, onde o colorido cede espaço ao cinza. São os contrastes desses tons que se vai compondo um modo de viver.

Não existe um modelo pronto de brincar o carnaval, não importa como ou onde você esteja, o importante é se permitir tirar bom proveito dessa rica transmissão cultural brasileira. Que possamos nos lembrar dos ensinamentos de que a vida é um “vai como pode” e um “deixa falar”, resgatando o Entrudo brasileiro que existe em cada um de nós. E esse ensinamento podemos tirar proveito em qualquer momento do ano e nas coisas simples da vida.

A euforia é como um grande evento em ventania, já a alegria é como uma brisa que pode ser  vivida nas simplicidades do dia-a-dia.

Não precisa ser intenso para ter valor de vivência e experiência. Então, vale a pena lembrar que viver é travar árduas lutas, mas também, obter delas um prazer, independente da sua intensidade.

 

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