Quem já não vislumbrou nas férias a solução de muitos problemas? Ou até quem sabe uma folga “da vida”?
Para aqueles que caíram nessa armadilha, a frustração é quase certa. Não adianta fugir da vida, ela te cerca de todas as formas. As preocupações são como inflamações psíquicas, elas te farão reconhecer sua presença no ato mais banal da vida cotidiana. É necessário muita criatividade para distrair uma preocupação, um sofrimento, uma angústia. Algumas pessoas tendem a fazer o contrário, distrair-se com eles.
As angustias e aflições gostam de companhia, gostam de opinião mas não se satisfazem com nenhuma resposta. As preocupações adoram estar no pensamento, porque na ação, deixam de ser preocupação e se tornam solução – mesmo que a solução não ocorra como o planejado. A chegada das férias e do novo ano fazem uma promessa tentadora: é possível zerar tudo, começar de novo.
Mas eis que vem uma importante constatação, férias não são dias dados no final de dezembro e início de janeiro, mas um “estado de espírito”, ou mais tecnicamente, uma posição subjetiva. Não raro no consultório, escuto uma lamentação legítima: “Acabei não descansando, vários problemas”. As brigas permaneceram, as inseguranças escancaradas. Isso porque tendemos a considerar que nossos problemas residem em nossas obrigações, encarnados em uma figura exterior de carrasco, podendo ser um chefe, um professor, um colega, um parceiro, um familiar…. Férias tornam-se um pedido de fuga dessa vida de tantas cobranças. Ainda mais nos dias de hoje, onde tempo é o bem mais valioso: ninguém tem ou se permite ter.
Como é Difícil se atentar que o que nos cansa, muitas vezes, é nós mesmos, o “carrasco” esta dentro e não fora. Exaustos dos monstros internos e do próprio desamparo que habita nosso psíquico, buscamos um alento. Mas para uma cabeça cheia de medos e preocupações não existe espaço para planos e sonhos.
A vida é simples, viver é difícil. A vida esta dada, ela simplesmente existe. O viver implica em um sujeito que ocupe a vida e isso requer trabalho. Não é possível tirar férias de si mesmo pois implicaria na aniquilação do ser. Equivaleria a parar de viver, e para isso não damos o nome de férias. Por isso começar do zero é impossível. Somos fruto da nossa história e do momento de vida que vivemos. Não é calendário que produzirá uma cisão do que somos.
Proponho que tiremos um pouco o imperativo da felicidade da sexta-feira a noite e das férias coletivas do ano que inicia. O peso do domingo a noite e da segunda-feira. O viver é um continuum, cheio de autos e baixos. “Um começo” é a continuidade da vida que conseguimos passar a fazer acontecer de forma diferente. Para isso damos o nome de Mudança. Acredito que esse é o “novo ano” simbólico de nossas vidas: nossas mudanças.
Um ano de muito “novo” para todos nós!