QUANDO O BRILHO VEM DE FORA
“Sabe Doutora, tenho a impressão de que estou tão apagada, que nem se eu mergulhasse num pote de purpurina eu voltaria a brilhar. Antes eu comprava roupas, enfeitava o cabelo, passava uma maquiagem e me sentia melhor. Agora nem isso adianta…”
Um brilho artificial não se sustenta. Todos já recorreram ao fora, o corpo, os adornos para mascarar uma melancolia que se apresenta. Quando estamos radiantes, o brilho simplesmente acontece. Ela não é uma solução, é uma consequência de estar em paz consigo próprio.
Não utilizo termo paz num sentido religioso, mas num sentido de resolução para que a autenticididade e a expontâneidade sejam possíveis. Na lógica capitalista e imediatista que vivemos, o “ter” toma o lugar do “ser”, e somos bombardeados por potes de purpurina.
Essa fala que cito acima, me provocou profunda reflexão do que de fato é brilho próprio e o que é o culto ao estético, o espetáculo armado onde todos fingem se surpreender. O pensamento que prontamente me ocorreu foi que quando a mudança vem de dentro o brilho não ofusca os olhos.
Existe um certo mal-estar imediato quando a cena parece não corresponder a situação. Para isso, popularmente se fala do “chamar atenção”, esta fazendo “drama”, “encenação”, etc…
A cena é uma forma de brilhar, ou minimamente resgatar o brilho para o outro. Mas se o ser só pode ser sustentado pelo olhar do outro, basta que esse olhar falte, para que o castelo de purpurina se desmonte. Afinal, purpurina não tem consistência, se esvai com facilidade, com a menor das brisas.
Com muita frequência, os humanos que possuem esse vazio tão agressivo, tiveram muita fragilidade para constituir-se. Um olhar vazio, enlutado, sem brilho, que atravessa o bebê e não lhe dá borda, nem contorno. Mães deprimidas são suscetíveis a isso. Bem como bebês que não conseguem corresponder aos investimentos maternos, uma apatia nesse circuito de troca entre um e outro.
A propaganda enganosa é aquela que ilude que para se encontrar existe atalho. Que para a dor existe remédio, que para o corpo existe adorno, para o vazio existe objeto. Não me proponho ao pessímismo, mas existe um tempo, uma construção necessária para a autenticidade que não esta a venda nas prateleiras e nem acontece do dia para noite.
Ainda essa semana ouvi sobre as injeções de hormônio para simular uma gestação e fazer com que as mulheres percam peso através desse processo. Que corpo é esse? O pote de purpurina. Ali não existe subjetividade. É corpo, hormonio, boca para deglutir. Mas como a paciente mesmo alerta, chega um momento que nem isso mais adianta…
Nos questionarmos sobre nossas purpurinas, uma interrogação diária para não se deixar seduzir pelo brilho e ofuscar os olhos…