Uma das primeiras tarefas que os professores dão na escola é a atividade da arvore. Primeiro as raízes, depois o tronco, a copa e dependendo da estação, os frutos ou flores. Nunca esqueço dessa tarefa pois o fato das raízes ficarem a vista me causavam profundo incomodo. Não achava esteticamente bonito. E quando ousava entregar sem, a professora e sua fiel caneta vermelha desenhavam as raízes que estavam ocultas do papel.

Vejam bem, não é que elas não existiam, apenas não estavam á vista. Hoje tenho a impressão que as raízes não me causavam tamanha cólera devido ao estético, mas porque eram presentes de forma tão conflituosa na minha vida que sofria com isso. Minha família é de diversas localidades, e em especial, meus pais sempre tiveram muito apreço por sua cidade natal que é diferente da minha. Qual nossa raiz e onde nos localizamos na história familiar é a novela necessária para se constituir gente em um mundo que transborda de pessoas. Ninguém quer ser apenas mais um em meio a multidão!

Sugiro que no próximo Manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais (DSM), incluam a Síndrome das Raízes, já que nos últimos tempos toda a forma de sofrimento deve ser descrita e catalogada. Como sou contraria a patologizar as angústias do que é Ser Humano, acredito num outro caminho.

Percebo que não é por acaso que uma análise visa alcançar e tratar a raiz da questão. Já vislumbrando o buraco negro que isso pode se transformar, Freud escreve um belo texto “análise terminável e interminável”. O que ele busca explorar com esse texto é que o inconsciente é infinito, não iremos parar de sonhar, de cometer lapsos, de nos utilizar de chistes, atos falhos. Porém uma análise possui um método claro e finito sim. É poder dar sentido e vazão a nossa árvore da vida e nossas raízes que não seja de forma sintomática, demasiada dolorida e repetitiva. É sempre muito difícil nos localizar nessa árvore, na nossa cadeia geracional. Nosso lugar no mundo não esta dado, e não existe genética que dê conta disso. Para alguns, criar alguma raiz, uma filiação é trabalho para muitos anos.

O que muitos resistem em perceber é que não somos um corpo biológico puramente dito. Somos seres falantes e com possibilidade de transmitir para o outro um lugar. Por isso ser pai e mãe é tão fundamental, pois vai possibilitar essa primeira construção. Não basta gerar uma criança, é necessário adota-la como sua e dar-lhe as ferramentas para que construa seu caminho.

Já dizia o ditado: “Não temos filhos para si, mas para o mundo”. Existe uma certa ordem necessária para que possamos nos aventurar ao mundo, ou seja, para sair e alçar voo preciso saber que tenho essa tal da raiz. Só me aventuro se tenho a sensação de pertencimento. Quem já não se sentiu estrangeiro em sua própria casa? Me recordo de um caso de uma garota que na saída de sua adolescência todos em sua família foram “presenteados” com a Gripe H1N1, menos ela. Aquilo para ela foi a certeza de que não se encaixava na família, foi sua fantasia.

Entretanto, a adolescência é justamente o momento que buscamos nos diferenciar do núcleo familiar severamente. Se por um lado ela achava que havia fracassado no seu “corpo fechado”, a  sua “não doença” realizava a fantasia inconsciente dela. Vejam bem, gripe é um vírus contagioso cujo nossos anticorpos visam combater, isso é organismo, biologia. Mas no caso descrito a gripe esta perpassada pela linguagem, pela cadeia de linguagem que um sujeito esta inserido.

É genético, é químico, é fisiológico é o que mais escuto no cotidiano! Como se isso fosse a formula da irresponsabilidade de decidir o próprio destino, se isentar da parcela do sofrimento, não se implicar na fantasia que foi construída na vida. Nos escondemos por de trás de um instinto que o humano já desconhece há muitos anos.

Uma raiz é aquilo que mantem a vida, absorve os nutrientes necessários e dá sustentação, a mantem em pé. Mas não precisamos criar raízes na raiz. Escrevo esse texto pois percebo pessoas imobilizadas, padecidas na solidão, sem saber quem são. Nessa hora um rótulo patológico cai bem, mas não faz bem. Construir, desconstruir e reconstruir o novo com certeza é mais laborioso, porém mais libertador. A raiz não visa a prisão, mas a vida.

Com as cheias que vieram nesse final de semana em Blumenau, em meio a tristeza também senti uma sensação de pertencimento por escolha. Com pais cariocas, sempre estive imersa no Rio deles. Hoje, tenho também o meu rio que ora dá contorno, ora transborda a cidade. É uma cidade que se funda do rio, assim como eu também, em parte. Essas são raízes, e como a água do rio, que seja dinâmica e com contornos. Nem mesmo um rio ou fenômeno é natural quando se trata de pessoas…

Uma semana recheada de palavras que se inicia a todos!

Carinho,

Eduarda Renaux

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