UM RECORTE SOBRE DESPEDIDAS, PASSAGENS, CONQUISTAS E RENÚNCIAS….
Era o último dia de atendimento a uma criança. Ela estava bem, os conflitos estavam na dinâmica familiar. Abordado isso com a família, era chegado então o momento da despedida do jovenzinho. Não era uma despedida fácil, afinal tínhamos construído algumas histórias, passado alguns impasses juntos.
Eis que ele ficou muito brabo ao saber que era o momento de separar-se, de dizer adeus. Recusava-se a falar uma só palavra. Digo que se não era possível me falar o que o deixara tão brabo, quem sabe poderia desenhar o que estava sentindo. Ele desenha dois olhinhos e no lugar da boca um desenho semelhante a um “S”.
Retorno dizendo que não havia entendido, que precisava que ele me explicasse o que isso significava. Para minha surpresa, ele fala: “ estou meio triste e meio feliz“. Meus sentimentos não eram diferentes, mas ele traduziu com uma sagacidade que é própria das crianças.
Por um lado estava feliz por ele estar bem, mas por outro também estava triste com a despedida. Ele estava indo para a primeira série, uma maravilhosa passagem, mas também a coragem do pequeno em deixar a creche para trás. Por isso, esse texto tem como intuito transmitir, que tanto para os pequenos como para os grandes, a vida a fora será assim mesmo.
No cotidiano a recorrente pergunta:
Como anda a vida?
Mais ou menos!
Quem não ouviu ou disse essa frase nas últimas 24 horas? A tal da felicidade plena e constante é uma miragem no deserto. Mas acredito que miragens já salvaram algumas vidas, bem como, já condenou algumas também.
Se temos a felicidade como um horizonte, sempre distante mas potencialmente alcançável a jornada é longa mas pode ser de bom proveito. Nessa caminhada sabe-se lá quantos momentos felizes teremos até a chegada na miragem da felicidade. Na reta final, podemos concluir que era uma ilusão, mas os encontros que a vida ofereceu foram tantos que a frustração provavelmente não acarretará uma severa depressão. No máximo o luto dessa ilusão, o que já é dolorido o suficiente.
Alguns por saberem que são miragens, recusam-se a caminhar. Criam raízes na areia, pois já que a morte é certa não teria cabimento investir. Os melancólicos sabem muito bem disso. Sabem da concretude da vida e dificilmente são tomados por grande tragédias, pois de trágico já basta a vida. Outros sentem-se tão enganados pela miragem, que desiludidos abortam os planos e ficam no eterno ressentimento da felicidade que lhes foram negada. “Fiz tanto e não fui reconhecido, fiz tanto e não alcancei os resultados que esperava”.
Caminhar cansa, ficar parado dá tédio, e cada passo dado é uma paisagem que se deixou para trás. Deixar para trás é um dos custos mais caros da vida. Acredito que o “mais ou menos” é aquela descrença misturada com esperança. Quando se prolonga demais, é também uma procrastinação. Não faz nada pelo “mais” pois pode ficar com “menos”. O mais anula o menos, o menos anula o mais.
“Meio triste, meio feliz” dessa forma é muito diferente do “mais ou menos” como o jovenzinho nos apresenta. Não existe absolutamente nada de errado em também ficar triste com as boas passagens. Conquistar novos horizontes não é garantia de felicidade, pois também implica em uma perda, em uma mudança, por vezes, assustadora. Apenas estamos avançando na jornada.
Por isso quando alguém lhe disser que só tem motivos para comemorar e que a tristeza não tem lugar, saiba que a vitória é proporcional a renúncia que se fez para conquista-la. Logo temos sim, todo o direito de estarmos felizes e tristes simultaneamente.
Tristes e felizes, avante!!