Em um dia conturbado, nada como dormir e torcer pelo recomeço. A esperança é que no próximo dia possamos apagar as lembranças de um dia ruim, com a possibilidade de acordar e não esquecer de quem somos.
Um comediante que sou fã, Jerry Sienfield, fala que acordar é como voltar a ser bebe. Mal conseguimos caminhar ao banheiro, vamos cambaleando, tropeçando pelos móveis no caminho e falar é o pior desafio, gaguejamos, esquecemos palavras e as que saem são sem sentido. Desaprendemos tudo aquilo que nos foi ensinado durante o dia.
Uma noite de sono é mais do que um divisor do dia para o outro, é o momento introspectivo mais intimo. Os que sofrem de insônia sabem muito bem o que pode significar se entregar aos aconchegos do travesseiro. O que pode acontecer se deixar-se desligar? Dormir é perder o controle racional, para ter acesso àquilo que conhecemos, sem saber. De fato pode ser apavorante!
Os sonhos vem lembrar aquilo que o sono prometeu esquecer! As lembranças, os conflitos, as preocupações, as aspirações e desejos condensados e deslocados num delírio noturno. Quando nos recordamos deles, é difícil passar imune durante o dia. Acordamos com a sensação de que se tratou de algo exterior a nós, algo que foi injetado em nossa mente enquanto dormíamos, um tanto quanto sem sentido. Tanto isso ocorre, como facilmente se associa sonhos com premonição, como se fossemos os enviados divinos para a enunciação do apocalipse. Mas não é disso que se trata…
Ao descobrir o inconsciente, a obra mais importante de Freud é A interpretação dos sonhos. Através da clínica, ele revela a importancia do sonho no processo psíquico de cada um de nós. Não é místico, não é coletivo, não é apenas processamento dos acontecimentos diurnos. É uma construção sem censura e por isso tão surreal aos nossos olhos.
Recordo-me de uma Jornada que fui em que a palestrante conta sua experiência no posto de saúde de sua cidade e sua aposta nos laços afetivos. Ela compartilha ao final que na noite anterior sonhara com a frase: http://www.amor.com !! Nessa hora alguns se aventuraram no “ponto” e no “amor”. Eis que a psicanalista discorda e coloca: O que me ocorreu foi que o que vim aqui dialogar com vocês foi os desafios de trabalhar com a rede de saúde. Quanta delicadeza!! Sim, o significante era a rede (não virtual, mas de saúde).
Tenho uma amiga psicanalista que sempre me fala que quando esta perdida, torce para sonhar, pois os sonhos são como bússolas que falam de nossa posição. Sempre dou risada, pois acho uma fala muita verdadeira. Por mais que sejamos acometidos, muitas vezes, por sonhos de plena angústia, eles sempre estão no campo da possibilidade, de nos orientar e auxiliar a seguir nossos ideais, ou minimamente a mostrar aquilo que ainda temos que avançar.
Hoje, desconfio quando se quer dormir para apagar, pois o sonho vem lembrar aquilo que a rotina te faz esquecer.