Não existe ato que não seja impulsivo, até pensar muito sobre algo é uma impulsividade. Somos eternos imprudentes. As significações vão aparecendo depois, naquele passo para trás para poder ver de fora. Engana-se quem pensa que avaliamos a vivência pelo que foi bom ou ruim, mas pelo que foi importante. Quem consegue viver só de memória boa não deve ter boa memória.

Lembro-me de uma criança que ao desenhar suas amigas, me falava da colega que lhe infernizava a vida, justamente a “bendita” que ela desenhou por primeiro. E é isso que vai fazer sentido em algum momento da vida, o manejo das importâncias. Tem tanta coisa que é importante e não é prioridade. Não se faz sofrimento apenas com tragédia, sofremos também por enormes miudezas cotidianas.

Tem tanta gente que é acontecimento num dia e uma brisa no outro. Tem os que viram pedra no sapato por uma vida. Tem gente que é tropeço, tem quem é caminho, tem quem é parada, abrigo, janela, tormenta. Tem os que floreiam a gente para sempre. Nos contamos sempre através do outro, através das pessoas que nos cercam.

Nesse manejo das importâncias entra o manejo de quem consideramos importante. Isso fala muito de nós, isso só fala de nós. A vida é a conjugação na primeira pessoa do plural. Quem desenhamos por primeiro, quem toma o nosso tempo, nosso pensamento, nossa fala enquanto vamos desenhando nosso quadro da vida?

De todos os conflitos do cotidiano, é sobre as pessoas que mais vale a pena se perguntar. De alguma forma, dependendo do contexto, o ser humano é paisagem. Confunde-se com o lugar, com as coisas, camuflado na multidão.  Uma parcela de angústia nos arremessa a essa sensação de mobília da cena, quem se dá conta disso tem trabalho redobrado para se tornar gente de novo.

Em contextos de multidão, onde o olhar é muito mais predominante do que as palavras, podemos ser tocados por essa sensação. Mas assim como a pequena das canetinhas do início desse texto nos ensina, vale a pena falar enquanto brinca ou falar do que se brinca. Não apenas olhe. Fale, conheça alguém pelo genuíno interesse de saber do outro. Porque uma boa dose de palavras nos preserva, a linguagem nos humaniza. Um ato corajoso, e claro, impulsivo. É nessa impulsividade que acontece o manejo das importâncias, sejam elas boas ou ruins….

Eduarda Renaux